Faz muito tempo que não
escrevo, não tenho certeza se ainda sei como usar das palavras para expressar
um pouquinho do que se passa do lado de cá. Vou tentar, antes que morra
sufocada.
Os dias têm sido difíceis
para mim. Há um tempo, do qual já perdi a noção, tenho entrado em constantes
conflitos comigo mesma. Demoro para dormir, durmo mal e acordo antes do
despertador. Todo dia, toda semana a mesma coisa. Já me acostumei com as
olheiras, o mal-estar, a fadiga e com a sensação ruim de ter que sair da cama.
Mas, por outro lado, não me permito fugir disso tudo. Das minhas obrigações,
quero dizer. Meu perfeccionismo e minha sistematização ainda vão me mandar para
o fundo do poço – mas até lá, sigo firme. E dói ainda mais encarar tudo com
esse cansaço que não cessa.
Há sempre alguma coisa me
incomodando e que se sobressai diante de qualquer boa sensação. E parece que
essa coisa (que, sinceramente, não sou capaz de nomear) desviou de tudo que
poderia me proteger e atingiu direto meu ponto mais fraco. Não sei ao certo o
que é. Só sei que ela me traz sensações de anos atrás, das quais pensei que
jamais teria de me preocupar de novo. Pensei que já tinha superado. E não falo
de uma paixão que ficou para trás, nem de qualquer outro sentimento amoroso mal
resolvido, é mais sobre todo o medo, insegurança e tristeza que eu já senti
antes. E não sei por que, mas isso tem me atingido tão diretamente que, se eu
estava acostumada a dormir cinco horas por noite, no máximo, hoje quatro já são
lucro para mim. E isso me desgasta cada dia mais.
Conforme o tempo passa,
tenho mais certeza de que tudo isso está dentro da minha cabeça. É como se
houvesse uma sombra que persegue meu consciente (ou o subconsciente?) e não me
deixa em paz. Ela é como uma sombra, mesmo, uma mancha preta que escurece
qualquer feixe de luz que venha a surgir; não posso vê-la, mas sei que está
aqui mesmo quando tudo já está escuro. Tenho sonhos constantes, por noites
seguidas, em que me encontro em situações em que sou vencida pelo cansaço: ter
que correr de algo ou alguém, ter que procurar algo que não tenho a mínima
ideia de onde esteja, ter que tomar uma decisão muito difícil (mesmo em sonho)
e várias outras coisas inimagináveis para qualquer pessoa que não esteja aqui
dentro. E o pior de tudo é que todo o desgaste que sinto sonhando reflete no
meu dia, da hora que levanto até a hora que volto a deitar. Sair de casa para
enfrentar a mesma rotina inflexível de quase quatro anos chega a ser tão
incômodo que tenho vontade de chorar todos os dias, pelo cansaço de ficar
contando as horas para que eu possa voltar para minha casa, tomar banho e,
depois de pestanejar muito, finalmente deitar.
Minha mente tem me aprisionado em situações que incontrolavelmente me vejo criando e recriando e que me mantêm refém dos meus medos, inseguranças e fragilidades. Estou imersa no pior de mim. Não há luz, fôlego, força ou sequer um suspiro para me aliviar. Há vozes externas que se preocupam, que por vezes tentam me fazer reconhecer o que há de bom em mim, mas há um bloqueio em minha mente que não permite que nada disso seja absorvido ou ao mesmo compreendido momentaneamente por meio de um alívio ilusório.
Estou cansada de morar em mim. Mas isso não é um pedido de socorro; é um desabafo.
Escrevo para me esvaziar (ou para me preencher?), para preservar o mínimo do que faz com que me mantenha capaz de levantar da cama todos os dias. Tem sido tão difícil... talvez ninguém possa entender o que acontece de fato. Não sei me expressar, não consigo; e a verdade é que não acho que alguém mereça saber o que acontece aqui. Todo mundo já tem sua própria batalha para enfrentar diariamente, não me parece justo dividir esse fardo, essa dor que pode até não fazer sentido para quem vê de fora. Ninguém quer um problema a mais.
Mas pôr para fora é essencial. O problema é que é muito difícil se expressar sobre a tristeza. As metáforas vêm e vão e nada parece suprir a necessidade de expressão, nada parece exemplificar esse sentimento tão dilacerante e arrebatador. As palavras são insuficientes, enquanto o silêncio abraça e disfarça a dor, ameniza o medo e as inseguranças. Ser triste dói. Acostumar com a tristeza dói. E dói porque você sente que perde o controle de si mesmo, da sua própria vontade de movimentar-se diante da inércia que o mantém estático à margem da passagem dos dias. Todo. Dia. A. Mesma. Coisa. Todo dia uma vontade a menos, uma dificuldade a mais. Ser triste é encontrar-se no limbo de nossos pensamentos e, ah, como dói dizer... Nessa hora, nossa mente é o pior lugar para se estar.
Encarar a tristeza exige
coragem. Exige resistência. Levantar da cama todos os dias sempre me ensina
algo sobre mim mesma, me mostra uma força desconhecida até então. O problema é
que o passar do dia consome todo princípio de ânimo, força de vontade, disposição
que me faz sair de casa e, até o momento de deitar novamente, sou sugada pelo
cansaço, como uma formiga que tenta atravessar uma avenida sem se dar conta de
que a qualquer momento será despedaçada por um carro a oitenta e tantos
quilômetros por hora. Ou mesmo pisoteada num parque, por uma criança curiosa
para ver de perto a morte de um inseto que parece tão insignificante.
Essa inocência é uma das coisas que mais sinto falta. A
simplicidade de olhar para as coisas simples do jeito que elas são. Sem
procurar empecilhos, defeitos, problemas. Mas o que parece é que me acostumei a
ser (veja bem: a ser e não a estar) uma pessoa pronta para o pior. Meu instinto
naturalmente se adapta para o negativo. E não é como se eu pudesse escolher;
quando vejo, minha mente já criou e recriou roteiros de tudo que pode dar
errado, em todos os níveis possíveis. Isso afasta de mim o que pode ser bom,
porque não sei filtrar aquilo que chega. Não me permito conhecer para absorver
e descartar. Simplesmente afasto tudo e me mantenho aqui, no limbo. Não sei o
que fazer.
O jeito que escolhi para lidar com tudo isso é tentar – com
muito esforço – acreditar que as coisas acontecem por alguma razão, que
dependem de nós para serem descobertas; e que, no fim das contas, eu é que não
estou conseguindo encontrar. Isso porque me perco em meio a qualquer busca que
tente iniciar. Mas me comprometo, diariamente, a não deixar de tentar: respiro
fundo, desacelero e busco, com calma, voltar ao ponto desse texto em que me
questiono se escrevo para me esvaziar ou para preencher. E mesmo que não saiba
a resposta, escrevo. Sempre; para que lá na frente, quando tudo isso passar, eu
possa ler e compreender o que hoje me parece incompreensível.
Afinal, é essencial acreditar que tudo tem uma razão de ser
do jeito que é.
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