Eu
não sei me descrever e sequer imagino por que diabos me pediram pra
fazer isso. De qualquer forma, me chamo João Massich. Nome
brasileiro e sobrenome russo herdado do meu pai, que, assim como eu,
não é grande homem e deve passar os dias numa cadeira de balanço.
Tenho cinquenta e tantos anos. Cinquenta e oito, se me lembro bem.
Nasci
em primeiro de abril, na capital do país. Na verdade, na periferia
da capital. Não tenho irmãos e no começo meus pais até tentaram
pagar uma boa escola para mim, mas o pouco-caso que fiz com os
estudos, fez com que os dois mudassem de opinião. Tanto faz como
tanto fez, que concluí a vida acadêmica – e demorei longos
dezessete anos para isso – em uma escola pública em que os
professores faziam tão pouco-caso quanto eu. Pra mim, aquilo era um
alívio. O meu instinto autodidata me instruiu automaticamente assim
que aprendi a ler e a escrever. O resto foi uma tortura.
Um
dos poucos momentos bons dos quais me recordo daquela época, tem a
ver com um soco. Acertei a cara daquele gordo com toda a força que
pude. Já não tinha amigos, aquilo fez com que me deixassem ser o
esquisito em paz. No começo até me esforcei pra conseguir chegar
perto ao menos de alguma garota que não fosse tão estranha quanto
eu, mas não obtive sucesso e me contentei com a professora de
matemática ou qualquer outra mulher que me chamasse atenção, por
muitos anos, apenas em pensamento.
Aliás,
acho que um ser vive daquilo que pensa. “Penso, logo existo”.
Pensei a vida toda que conseguiria viver sozinho. Decidi que sairia
de casa ao atingir a maioridade quando, pela enésima vez, meu pai me
trancou no quarto, me bateu e, diferente das outras vezes, não
chorei. Eu tinha chegado da escola cheirando a tabaco mas não tinha
chegado perto, até aquele dia, de nenhuma droga. Tentei argumentar e
foi em vão, foi aí que decidi escrever.
Hoje
eu fumo os cigarros que meu dinheiro pode comprar e bebo aquilo que
as moças dos balcões solitários me oferecem. A minha família é
católica, mas o meu Deus é aquele – ou aquilo – que eu quero
que seja nas linhas que escrevo. Gosto de ter ciência dos medos e
riscos que me cercam. O conhecimento do fracasso e do que há de pior
no ser humano que não pensa e não busca conhecimento, me poupe de
andar no mesmo caminho. Posso ser um velho moribundo, sozinho e sem
muito o que viver ainda, mas estou certo de que morrerei aliviado por
saber que conheci ao menos um pouco de tudo que pude.
Uso
a verdade para escrever e conseguir alguns trocados, algumas mulheres
e algumas bebidas. Levo a vida assim. De mentira, já me basta o dia
em que nasci.
- Karla Reis.
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