Fragmento do capítulo XXI de Lucíola:
Eu soluçava como uma criança.
— Beija-me também, Paulo. Beija-me como beijarás um dia tua noiva! Oh! agora posso te confessar sem receio. Nesta hora não se mente. Eu te amei desde o momento em que te vi! Eu te amei por séculos nestes poucos dias que passamos juntos na terra. Agora que minha vida se conta por instantes, amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com todas as afeições que se pode ter neste mundo. Vou te amar enfim por toda a eternidade.
A voz desfaleceu completamente, de extenuada que ela ficara por esse enérgico esforço.
Eu chorava de bruços sobre o travesseiro, e as suas palavras suspiravam docemente em minha alma, como as dulias dos anjos devem ressoar aos espíritos celestes.
— Nunca disse que te amava, Paulo!
— Mas eu sabia, e era feliz!
— Tu me purificaste ungindo-me com teus lábios. Tu me santificaste com teu primeiro olhar! Nesse momento Deus sorriu e o consórcio de nossas almas se fez no seio do Criador. Fui tua esposa no céu! E contudo essa palavra divina do amor, minha boca não a devia profanar, enquanto viva. Ela será meu último suspiro.
Lúcia pediu-me que abrisse a janela: era noite já; do leito víamos uma zona de azul na qual brilhava límpida e serena a estrela da tarde. Um sorriso pálido desfolhou-se ainda nos lábios sem cores: sublime êxtase iluminou a suave transparência de seu rosto. A beleza imaterial dos anjos deve ter aquela divina limpidez.
— Recebe-me... Paulo!...
[...]
Há seis anos que ela me deixou; mas eu recebi sua alma, que me acompanhará eternamente. [...]
[...]
ALENCAR, José. Lucíola.
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