Karla Reis

Karla Reis

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Lucíola

Fragmento do capítulo XXI de Lucíola:

Eu soluçava como uma criança.

— Beija-me também, Paulo. Beija-me como beijarás um dia tua noiva! Oh! agora posso te confessar sem receio. Nesta hora não se mente. Eu te amei desde o momento em que te vi! Eu te amei por séculos nestes poucos dias que passamos juntos na terra. Agora que minha vida se conta por instantes, amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com todas as afeições que se pode ter neste mundo. Vou te amar enfim por toda a eternidade.

A voz desfaleceu completamente, de extenuada que ela ficara por esse enérgico esforço.

Eu chorava de bruços sobre o travesseiro, e as suas palavras suspiravam docemente em minha alma, como as dulias dos anjos devem ressoar aos espíritos celestes.

— Nunca disse que te amava, Paulo!

— Mas eu sabia, e era feliz!

— Tu me purificaste ungindo-me com teus lábios. Tu me santificaste com teu primeiro olhar! Nesse momento Deus sorriu e o consórcio de nossas almas se fez no seio do Criador. Fui tua esposa no céu! E contudo essa palavra divina do amor, minha boca não a devia profanar, enquanto viva. Ela será meu último suspiro. 

Lúcia pediu-me que abrisse a janela: era noite já; do leito víamos uma zona de azul na qual brilhava límpida e serena a estrela da tarde. Um sorriso pálido desfolhou-se ainda nos lábios sem cores: sublime êxtase iluminou a suave transparência de seu rosto. A beleza imaterial dos anjos deve ter aquela divina limpidez. 

— Recebe-me... Paulo!...

[...]

Há seis anos que ela me deixou; mas eu recebi sua alma, que me acompanhará eternamente. [...]

[...]

ALENCAR, José. Lucíola.

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